Sanções Internacionais e Soberania Digital: Os efeitos da Lei Magnitsky sobre o acesso de autoridades brasileiras a serviços digitais norte-americanos
- Eduardo Moreth
- 1 de ago.
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Resumo: A inclusão do Ministro Alexandre de Moraes na lista de sancionados dos Estados Unidos, com base na Lei Magnitsky Global, suscita uma série de implicações jurídicas relevantes para o ordenamento institucional brasileiro. Este artigo analisa os efeitos práticos e legais da sanção, sobretudo no que tange ao uso de plataformas e serviços digitais de empresas norte-americanas por parte de autoridades sancionadas, mesmo quando os contratos são firmados por instituições públicas como o Supremo Tribunal Federal (STF).
Introdução
A globalização dos sistemas de sanção e o alcance extraterritorial das normas internacionais colocam em xeque os limites tradicionais da soberania estatal. A recente sanção imposta pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, com base na Lei Magnitsky Global, abre um precedente delicado: até que ponto uma autoridade pública brasileira pode continuar a utilizar serviços digitais norte-americanos após ser pessoalmente incluída na SDN List (Specially Designated Nationals)?
A resposta a essa questão exige uma análise cuidadosa do arcabouço jurídico norte-americano, dos tratados internacionais e dos contratos firmados por entes públicos com empresas de tecnologia estrangeiras.
1. A Lei Magnitsky Global e a Executive Order 13818
A "Global Magnitsky Human Rights Accountability Act", incorporada ao direito dos EUA em 2016 e operacionalizada pela Executive Order 13818 de 2017, autoriza o governo norte-americano a aplicar sanções econômicas e restrições de entrada a indivíduos estrangeiros envolvidos em corrupção ou violações graves dos direitos humanos.
A inclusão de Alexandre de Moraes nessa lista, ocorrida em julho de 2025, teve como base alegações de abuso de autoridade e restrição à liberdade de expressão. Com isso, todos os bens e interesses do sancionado que estejam nos Estados Unidos ou sob controle de empresas americanas são imediatamente bloqueados.
2. O alcance das sanções: proibição direta e indireta de prestação de serviços
A Executive Order 13818 é clara ao vedar não apenas a prestação direta, mas também indireta de bens e serviços a indivíduos sancionados. Em seu artigo 2(a), estabelece:
> “É proibido a qualquer pessoa dos EUA a prestação direta ou indireta de bens ou serviços a qualquer pessoa cujos bens e interesses tenham sido bloqueados conforme esta ordem.”
Isso inclui, portanto, a utilização de contas de e-mail, acesso a plataformas em nuvem (como Azure ou AWS), ferramentas de videoconferência (Microsoft Teams, Google Meet) ou qualquer outro serviço digital operado sob jurisdição norte-americana.
3. A responsabilidade das empresas prestadoras
A legislação norte-americana impõe às empresas a obrigação de identificar e bloquear acessos de pessoas listadas na SDN List. O descumprimento pode gerar sanções severas, inclusive multas bilionárias. Dessa forma, ao tomar conhecimento de que um usuário sancionado está acessando seus serviços, a empresa deve:
Suspender imediatamente os acessos vinculados ao indivíduo;
Bloquear o uso de ferramentas associadas a sua identidade digital;
Notificar as autoridades reguladoras competentes, se for o caso.
4. A situação específica do STF e de seus contratos institucionais
Embora os contratos com empresas como Microsoft, Amazon ou Google sejam firmados pelo STF, o uso pessoal e identificado desses serviços pelo Ministro sancionado configura violação à legislação americana. O vínculo institucional não descaracteriza a prestação de serviço em benefício de uma pessoa proibida.
Assim, ainda que o STF permaneça formalmente apto a continuar utilizando os serviços contratados, o acesso pessoal de Alexandre de Moraes a essas plataformas deve ser imediatamente interrompido, sob pena de responsabilização indireta da empresa prestadora e, eventualmente, criação de embaraços diplomáticos entre os países.
5. Repercussões jurídicas e geopolíticas
A situação coloca o Brasil em uma encruzilhada jurídica: respeitar as decisões de um governo estrangeiro que impõem limitações concretas a um membro da mais alta corte nacional, ou reagir com medidas de soberania tecnológica. Independentemente da posição política adotada, os efeitos jurídicos da sanção são diretos, eficazes e vinculantes para qualquer empresa sob jurisdição dos EUA.
A médio prazo, o episódio pode acelerar o debate sobre infraestrutura digital soberana, sobre o uso de soluções nacionais para comunicação institucional e sobre a dependência do sistema de Justiça brasileiro em relação a plataformas privadas estrangeiras.
Conclusão:
A inclusão de uma autoridade brasileira na SDN List da OFAC, com fundamento na Lei Magnitsky, representa não apenas um caso inédito, mas um marco geopolítico com profundas implicações jurídicas. O STF, enquanto instituição, deve agir com cautela e responsabilidade institucional, suspendendo o uso de ferramentas de empresas americanas por parte do Ministro sancionado.
O episódio impõe ao Brasil o dever de refletir sobre sua autonomia tecnológica, sua inserção nas redes de governança global e os limites entre soberania nacional e sanções internacionais.
Eduardo Moreth Loquez
Advogado (OAB/DF 15.347)
Especialista em Direito Digital e Constitucional
Autor do Manual Integral de Direito Digital
Membro do MIT Alumni – Generative AI Program



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